Qual o impacto da indústria da moda no colapso ambiental?  

A hiperprodução gera toneladas de resíduos têxteis, exploração e danos à natureza 

Por Bruna Colins

Não é de hoje que somos avisados que nosso planeta está em colapso. Em 2015, foi firmado um acordo entre os 193 Estado-membros da ONU para seguir as medidas recomendadas pela chamada Agenda 2030 que visa um desenvolvimento sustentável para os próximos 15 anos. Um plano de ação global que conta com 17 objetivos e 169 metas que buscam erradicar a pobreza e possibilitar vida digna para todos, considerando as condições do planeta e sem comprometer a qualidade de vida das gerações futuras.  Como culpados por esse estrago, podemos elencar alguns fatores: a emissão de grandes quantidades de gases de feito estufa, desmatamento, aquecimento global e consumo desenfreado, por exemplo. E o que a moda tem a ver com isso? 

Atualmente, para seguir uma alta demanda, a indústria da moda tem produzido cada vez mais. Essa hiperprodução acaba gerando toneladas de resíduos têxteis, exploração de mão de obra e danos à natureza. O anseio para seguir tendências, o apelo das mídias sociais, a facilidade de compra trazido pelo fast fashion e e-commerce, impactam diretamente na forma que nos relacionamos com nossas roupas. Mesmo que estejam bom estado, as peças acabam sendo descartadas por não estarem mais “na moda”. 

Uma das consequências trazidas por esse hiperconsumo é a quantidade de lixo que acaba sendo produzido. O Sebrae aponta que, no Brasil, são produzidas cerca de 170 toneladas de resíduos têxteis por ano. Cerca de 80% desse descarte vai parar em aterros sanitários e lixões. Vale ressaltar que esse problema não é só do nosso país. Recentemente, circulou pela internet imagens de montanhas de roupas, ou melhor, lixo oriundo da indústria da moda e descartada no deserto do Atacama. São roupas feitas em países com mão de obra barata – China, Bangladesh e Índia, vendidas nos chamados países “desenvolvidos” e descartadas no Chile. Uma verdadeira viagem pelo mundo. 

Peças descartadas no Deserto do Atacama, Chile. (Foto: Getty imagens/Internet)  

Madu Melo, aluna de moda design e estilismo na Universidade Federal do Piauí, avalia que todo processo de produção da indústria da moda está ligado ao desgaste ambiental. “Desde a extração da matéria prima, que muitas vezes, é feita ultrapassando os limites naturais do solo, com agrotóxicos mão de obra escrava. No caso do sintético, com exploração do pré-sal, usinas petrolíferas, plástico, têxteis sintéticos, também sem respeitar os limites da natureza, causando desastres ambientais. Cada etapa de confecção gasta milhares de litros de combustíveis: para transportar a matéria prima para fábrica, da fábrica para o distribuidor, do distribuidor para o varejo, o que também aumenta a emissão de carbono.”, diz.   

Para além das questões ambientais, a indústria da moda também impacta nas questões sociais. Para diminuir seus custos e aumentar os lucros, muitas empresas já foram acusadas de submeter seus trabalhadores a condições degradantes de trabalho.  Geralmente, migram suas fábricas para países que não possuem leis trabalhistas, um exemplo disso é a tragédia do Rana Plaza em Bangladesh. 

Edifício Rana Plaza que desabou em Bangladesh(Foto: Muniruz Zaman/Internet)

Moda sustentável – Mas afinal, o que é isso?  

O conceito de moda sustentável vem da necessidade de refletir sobre os impactos ambientais e sociais da indústria têxtil.  Essa vertente surge com alternativas saudáveis para produção e consumo dos itens de moda. “Tem que buscar sempre o equilíbrio pautado nas leis naturais, no que o planeta pode absorver e oferecer. Por exemplo, uma árvore frutífera consome gás, nutriente, e devolve até os seus resíduos para a natureza, porque uma casca de fruta podre, por exemplo, é adubo.”, pontua Madu. 

 Muitas vezes, a discussão sobre moda sustentável cai no colo dos designs que “não estão inovando o suficiente” ou dos consumidores que “estão comprando demais”. Porém, pouco se fala das grandes empresas que estão produzindo cada vez mais e lucrando com toda essa tragédia ambiental.  A indústria da moda tem um papel fundamental na economia e cultura mundial e, assim como outras indústrias, é uma das grandes responsáveis pelo consumo e poluição desenfreada. Nas últimas décadas, a relação entre moda e poluição tem se tornado motivo de preocupação. Segundo relatório feito em 2022 pela Global Fashion Agenda, mais de 92 milhões de toneladas de resíduos têxteis foram descartados recentemente. Em oito anos, de acordo com o relatório, essa quantidade deverá aumentar em 60%.  

O Mercado de segunda mão 

Com o crescente número de brechós on-line e outras alternativas surgidas da chamada moda sustentável, muito tem se falado sobre consumo consciente. Ao analisarmos os dados trazidos pelas redes sociais e plataformas de busca, podemos perceber o crescimento do interesse pelo tema. O google trends aponta que entre os anos de 2010 e 2015, a busca pelo termo “consumo consciente” aumentou em 400% se comparado a períodos anteriores. De acordo com relatório produzido pela thredUP a pandemia de Covid 19, ocasionou uma expansão do comércio digital, mais pessoas começaram a comprar on-line. Em 2020, aproximadamente 33 milhões de consumidores compraram algum artigo usado pela primeira vez através da internet. Esse mesmo relatório afirma que o setor de segunda mão deve seguir em crescimento ao longo dos próximos cinco anos, chegando a US$7 bilhões de dólares.  

Esse crescimento justamente no contexto pandêmico não é à toa. Houve um contexto social, econômico e político favorável para isso. Nesse momento muitas pessoas, que estavam desamparadas pelo Estado e sem poder trabalhar presencialmente, recorreram a vendas de itens usados em redes sociais como alternativa de obter algum dinheiro. Para a maior parte das pessoas que trabalham com brechó/bazar, as peças geralmente são oriundas de desapegos próprios, doação e garimpos. Além de garantir uma renda, os chamados pequenos empreendedores, começaram a movimentar o mercado ajudando na quebra de estigmas antes associados ao brechó: “Roupa velha”, “energia ruim”, “coisa de pobre” etc. Para além dos pequenos negócios, há aqui outra reflexão possível… 

Esses dados nos apontam um cenário de crescimento para o mercado de brechós, que sempre foi tido como uma alternativa ao modelo tradicional de vendas, mas será que é só isso mesmo? Ao analisarmos movimentações recentes, podemos perceber que grandes empresas estão buscando se inserir no mercado de segunda mão. Alguns exemplos: Abertura de capital do site de vendas de usados o Enjoei, a Nike recebendo tênis usados de seus clientes para recolocação no mercado, Gigantes da alta costura como Gucci e Burberry revendendo itens de coleções passadas e por aí vai.  

É a partir disso que a conversa começa a mudar: de um lado temos pequenos negócios que, na maioria das vezes, não possuem recursos para manutenção e do outro, podemos enxergar a expansão de grandes empresas para esse mercado, mas que ainda usam de artimanhas sujas para manutenção de riqueza. Uma clara sinalização de concorrência desleal e inversão dos valores sociais que envolvem a relação do vestir. Para os empresários, isso é sobre novos modelos de negócios ou disputar mercado. Ao que parece, para as grandes empresas, trata-se de continuar com esse sistema de produção – extrair, produzir, utilizar e descartar – em um espaço de tempo cada vez menor e ainda poder faturar com mercadorias já existente. Quando o mercado de segunda mão prolonga o tempo útil de uma peça em desuso, sem dúvidas, ele se coloca como uma das alternativas para essa mudança socioeconômica que necessitamos, mas por si só, não é suficiente. 

O empresário Gabriel Araújo, de 21 anos, proprietário do King Brechó desde 2022, acredita que ao escolher comprar em brechós, os consumidores podem contribuir para a redução do impacto ambiental da indústria da moda e promover uma abordagem mais consciente e sustentável para o consumo de roupas: “A importância de comprar em brechó está ligada à questão urgente da poluição. Se não me engano, atualmente, a indústria da moda é a segunda mais poluente do mundo, desde a confecção, manutenção e descarte indevido. É nessa última etapa que o brechó se faz importante, evitando que mais peças sejam descartadas e gerem ainda mais danos ao nosso planeta”, comenta.

Diminuir o impacto ambiental causado pela indústria da moda é extremamente urgente e necessário. Devemos questionar as formas de produção e consumo, que para algumas pessoas, consumir moda consciente é um ato político, assim, você estaria apoiando iniciativas sustentáveis e uma sensação de “Ufa, dever cumprido!”. Mas será isso mesmo? A sustentabilidade tem se transformado em mais um produto da indústria. O sistema em si não é impactado por essas ações individualistas. Iniciativas circulares são uma excelente alternativa, mas infelizmente não são suficientes. 

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