Transformação social: maternidade e empreendedorismo

A história de duas mulheres empreendedoras que tornaram a maternidade um meio de transformação profissional e social

Texto: Natalia Costa


“Em 2021 iniciei com a confeitaria com o objetivo de ter mais tempo dentro de casa. Eu tinha uma filha pequena e passei um período sem trabalhar, pois ficava em casa cuidando dela e queria permanecer dessa forma para acompanhar a evolução da minha filha. Comecei a investir na confeitaria, na produção de bolos e doces. Em um determinado momento eu percebi que minha casa tinha se transformado em um negócio. Um negócio bem produtivo, a gente já conseguia faturar muito mais do que meu esposo trabalhando de carteira assinada”. Esse é o relato da transformação social e profissional de Bruna Regina da Silva.

A ideia de fundar o próprio negócio surgiu da possibilidade de conciliar maternidade e trabalho. Através da confeitaria, Bruna conseguiu aliar os cuidados com a filha com a busca por uma renda extra. Antes de engravidar, ela trabalhou de carteira assinada em várias empresas de Teresina (Pi). E, como tantas outras mulheres brasileiras, precisou deixar o trabalho para se dedicar ao cuidado da filha recém-nascida. A maternidade é o principal motivo das mulheres perderem os postos de trabalho, como mostra uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, em que 50% das mulheres perdem seus empregos após a maternidade.

Porém, os desafios da maternidade geram a necessidade de se reinventar, ressignificar e transformar a sua realidade. É nesse momento delicado que quase 80% das mulheres empreendedoras decidem fundar suas empresas após terem filhos, conforme pesquisa do Instituto Rede Mulher Empreendedora. Não foi diferente com a empreendedora Bruna Regina.

“Em 2021 começamos um delivery de doces, começou sem intenção de crescimento, o propósito era ter uma renda extra, já que meu esposo trabalhava de carteira assinada e ficava responsável pela maior parte das despesas de casa. Mas, foi tomando uma proporção que a gente nunca imaginou. Eu sempre fui uma pessoa muito criativa, perfeccionista em tudo que eu faço. Então não foi diferente, por mais pequeno que o negócio fosse, eu me dediquei e esse foi o meu diferencial na hora de ganhar esse mercado da confeitaria”, afirma.

Empreendedora Bruna Regina da Silva / Fonte: Instagram

Do outro lado da cidade, Andrea Facchinetti viu a maternidade dando retorno. A ideia do empreendimento no ramo da venda de semijoias partiu da filha, Alice Facchinetti, 15 anos. A mãe não esperava que a iniciativa da adolescente se tornasse um negócio lucrativo. Com um ano de funcionamento, Andrea, que começou a venda dos produtos na maleta, já possui um espaço alugado para vender as semijoias. Mãe e filha, com genética de empreendedoras, se apoiam e remam juntas na busca pela evolução do negócio: ambas são modelos da loja.

“A princípio, minha filha adolescente começou a vender peças simples como colares, anéis e brincos para as amigas. Como eu tinha fechado a minha creche na pandemia, resolvi dar continuidade aos poucos, investindo em peças de alto padrão. Eu queria trabalhar com algo que eu gostasse, que brilhasse meus olhos. Fui fazendo algumas coisas, mas nada que me desse aquela felicidade de estar trabalhando. Comecei a gostar da venda de joias, pois eu gosto muito de estar com o cliente, conversar, fazer amizades e atender a necessidade do cliente. Comecei com as vendas de joias na maleta e resolvi alugar um espaço para comercializar os produtos. Com um ano de funcionamento já temos um showroom e o faturamento está excelente”, relata.

Bruna e Andrea fazem parte do universo de 10,3 milhões de mulheres donas do seu próprio negócio no Brasil. São mais de 34% das empresas do país. Esta é uma marca histórica de acordo com dados informados pelo Sebrae, Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas.

Uma característica das empresas femininas que refletem na realidade de Bruna e Andrea é que a maioria dos negócios chefiados por mulheres são empreendimentos autogeridos, distinto dos negócios criados por homens, que possuem um perfil empregador. Essa é uma constatação da professora de economia da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Kellen Brito, pesquisadora da área de economia feminina.

“Outra característica dos empreendimentos femininos é a flexibilidade de horário. A mulher tem que conciliar o trabalho doméstico, cuidado com filhos, pais idosos e pessoas com deficiência. E ainda a empresa. São múltiplas jornadas de trabalho”, explica.

Muitas mulheres decidem empreender em busca de flexibilidade de horário, conciliação entre vida profissional e pessoal, mais tempo disponível com filhos e familiares. Contudo, os mesmos motivos que possibilitam a criação do negócio próprio, tornam-se vilões, devido à sobrecarga de trabalho. Por isso é imprescindível estabelecer uma divisão das tarefas da empresa das domésticas e administrar o tempo da melhor forma. É o caso da empreendedora Andrea Facchinetti que não trabalha nos finais de semana para se dedicar aos filhos e ao trabalho doméstico. 

“Ainda está difícil conciliar a empresa e a família. Muitas vezes quando chego em casa, meus filhos já estão dormindo. Mas eu tento sempre acompanhar o meu filho nas atividades da escola. E no final de semana eu não abro mão, eu não trabalho para ficar com meus filhos e meu marido”, afirma.

Já a empresária Bruna Regina entrou em depressão após descobrir a gravidez da segunda filha e pela sobrecarga de trabalho. Ela acreditava que não iria conseguir administrar a empresa com mais uma criança para cuidar. Mesmo com o sucesso das vendas e o ótimo faturamento, ela resolveu desistir da confeitaria.

“Eu decidi que iria desistir, eu estava passando por todo o processo de tratamento. E não foi fácil aceitar a gravidez, pois eu nunca tive rede de apoio. Então, lidar com empreendedorismo dentro de casa cuidando de uma criança de dois anos já era muito difícil. Eu só conseguia entrar em negação, com mais um filho eu não vou conseguir, eu não vou dar conta. Meu esposo, muito compreensivo, aceitou minha decisão”, conta.

Empreendedora Bruna Regina / Fonte: Instagram

O esgotamento profissional é comum em empreendedores que precisam lidar com as múltiplas jornadas de trabalho. Uma pesquisa denominada “Saúde e Performance de Pessoas Empreendedoras” realizado pela Endeavor Brasil em parceria com o BID Lab demonstra que 37% dos participantes do estudo relataram terem sido diagnosticados com burnout ao longo da jornada empreendedora.

Para Thayro Carvalho, professor de psicologia da Universidade Federal do Piauí (UFPI), o esgotamento profissional ou Síndrome de Burnout é um transtorno atrelado ao estresse do trabalho. Ele pode vir associado a outros transtornos como ansiedade excessiva e depressão.

“As formas  corretas de tratar o transtorno são psicoterapia e tratamento medicamentoso. Especificamente não é possível falar em como evitar o transtorno, mas medidas como buscar estratégias de entretenimento, ocupações extra laborais, tentar desenvolver atividades que geram prazer, fazer atividade física. Por vezes, faz-se necessário reavaliar a atividade desenvolvida (trabalho) para pensar no custo benefício. O mais importante é buscar suporte profissional”, esclarece.

Tempestades e o Renascimento

As histórias de Bruna e Andrea são semelhantes a muitas outras empreendedoras brasileiras. Feitas de altos e baixos. Mudança de ramo empresarial, busca do trabalho que realmente gosta, aparecem os problemas e a desistência… No entanto, surge uma nova oportunidade e elas embarcam novamente na esperança do sucesso. É como se viesse uma tempestade e causasse um desastre. Porém, ergue-se uma nova ideia, um novo plano para se reconstruir após a tempestade. Dessa forma aconteceu com as duas empreendedoras.

Após desistir da confeitaria devido à depressão e sobrecarga de trabalho, Bruna Regina encontrou outro ramo: sorveteria. Viajou para São Paulo em busca de especialização na área. “Eu estava grávida de 5 meses e meu esposo comprou o curso e as passagens e simplesmente chegou para mim e disse que eu iria fazer a formação em São Paulo. Eu fiquei muito preocupada, mas enxerguei aquela atitude dele como uma forma de me reerguer. Eu embarquei nesse novo sonho que meu marido desenhou”, conta.

A empreendedora fez o curso e se apaixonou pelo ramo da sorveteria. Quando voltou de São Paulo continuou as vendas da confeitaria e incrementou o sorvete. Entretanto, os clientes não aceitaram muito bem o novo produto devido ao elevado preço por ser um sorvete natural. Foi nas feiras populares que o sorvete fez sucesso, após uma mudança de estratégia na venda do produto. Por delivery o sorvete era vendido na embalagem com uma quantidade determinada. Nas feiras começou a ser vendido a bola e na casquinha: a quantidade do produto diminui e consequentemente o preço também. O produto fez tanto sucesso que Bruna deixou a confeitaria e atualmente trabalha apenas com as vendas do sorvete. 

Feirinha Verde realizada da Universidade Federal do Piauí / Fonte: Instagram

Segundo a professora de economia da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Kellen Brito, as mudanças de estratégias de vendas e a especialização por meio de cursos são ações fundamentais para a expansão do empreendedorismo feminino no Brasil. O processo se torna profissional e tem mais chances de sucesso a partir da adoção de técnicas de preparo, armazenamento e venda do produto, além da avaliação do perfil dos clientes, estratégias de vendas e investimentos futuros.

A empresária Andrea Facchinetti está buscando especialização por meio de cursos do Sebrae e instituições financeiras para organizar o negócio. Ela trabalhou oito anos de carteira assinada com venda de produtos.  Em um determinado momento, planejou instalar a própria empresa. Comprou uma creche e administrou por seis anos. Em 2020, começou a pandemia do Covid-19 e a escola fechou as portas, como a maioria dos serviços naquele período. Ela perdeu todo o investimento financeiro e ainda permaneceu com dívidas. Até que começou a venda de semijoias.

“O empreendedorismo é um trabalho difícil, é preciso tempo e especialização para se estabilizar. São muitos juros, concorrência e dificuldade de acesso a créditos”, finaliza.

Empresária Andrea Facchinetti / Fonte: Instagram

Embora a quantidade de mulheres à frente de um empreendimento tenha crescido nos últimos anos, ainda há muitos desafios a serem superados. A professora, Kellen Brito, elenca os dois principais desafios: dificuldade de acesso a créditos nas instituições financeiras e as múltiplas jornadas de trabalho, já que as mulheres são o front do trabalho doméstico e de cuidado e a dedicação a esses serviços gera escassez de tempo. A gestão de negócio exige tempo e presença, logo, torna-se prejudicado devido aos diversos trabalhos deliberados às mulheres.

Conforme a pesquisadora, o Brasil necessita de políticas públicas que incentivem o empreendedorismo feminino. “Faltam políticas públicas de cuidado, como creches, escolas integrais, instituições de acolhimento para idosos e deficientes. Para que crianças e familiares sejam acolhidos e a mulher tenha tempo disponível para trabalhar. Temos ainda a pobreza de tempo, mulheres que gastam muito tempo no transporte público, causados pela precariedade dos ônibus coletivos. A facilitação do acesso a créditos principalmente para mulheres de baixa renda é um fator primordial para alavancar empresas lideradas por mulheres”, afirma.

São muitos os desafios enfrentados no dia-a-dia das mulheres empreendedoras. Mesmo assim, as histórias de superação de Bruna e Andrea são um incentivo a todas que desejam trilhar essa jornada.

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