Educação Popular: Perifala! como ferramenta de mudança

Educar é munir a sociedade; é coletivizar o conhecimento adquirido e eternizá-lo no real.

reunião do Perifala em uma praça pública do bairro Esplanada / Fonte: Reprodução

A luta na busca por direitos é assunto cada vez mais discutido nas salas de aula das escolas públicas. O espaço que os representantes políticos deixaram em aberto nos problemas da população menos favorecida vem sendo preenchido por novas organizações de pessoas comuns. Compreender as demandas dos alunos fora da escola, notando a carência social refletida no seu desempenho, trabalhando a afetividade e o empoderamento são saídas que esses grupos mostram aos alunos.

Brandão (1986), em sua obra Educação Popular (3ª ed. SP, Brasiliense), exprime que à maneira que a sociedade se organiza no que diz respeito à educação é insustentável. A alfabetização, o ensino fundamental, médio e sucessivamente a universidade deixam lacunas em relação à cultura, à ancestralidade e ao contexto em que o sujeito está inserido socialmente, uma vez que ignora as especificidades experimentadas pelos sujeitos na realidade, em determinado espaço e tempo. Essa compreensão é prática transformadora de realidade. Por isso, a pedagogia precisa ser elaborada com os alunos e não somente para eles.

INCLUSÃO

Em Teresina, existem alguns grupos que partilham do mesmo ideal, como é o caso do Perifala. O Perifala é um grupo de estudos em Filosofia Política e Social, formado por jovens universitários, que tem como objetivo levar o debate acadêmico para além dos muros das universidades, promovendo a participação direta da comunidade Villa Irmã Dulce, zona periférica de Teresina e onde reside grande parte dos integrantes do projeto. Nos assuntos abrangidos nos ambientes de estudos, integra uma aproximação com a cultura produzida na região, como rodas de capoeira, eventos de Hip-Hop, além de atuar diretamente nas escolas da comunidade propiciando rodas de conversa e utilizando estratégias pedagógicas para dialogar com os estudantes.

Francisco Filho, idealizador do Perifala ministrando uma palestra na escola pública R. N. Monteiro / Fonte: Reprodução

“Temos uma visão classista, uma visão de que existem particularidades na existência do periférico, mas que todos estão submetidos a uma sociedade hierarquizada, que explora a força de trabalho na periferia, afinal somos nós que compomos a maior parte dos trabalhos precarizados na sociedade. Estamos dentro de uma divisão social do trabalho que nos divide entre os que pensam e os que trabalham, e é claro, nós não nascemos  pensar, isso fica explicito na falta de vontade para resolver os nossos problemas de permanência na universidade e problemas de mobilidade urbana. Então tentamos envolver o todo nas partes e as partes no todo, entender e discutir por exemplo as especificidades do negro, mulher e LGBTQI+ na periferia, mas sempre dentro desse sistema geral da sociedade de classes, afinal o que todos(as) temos em comum é a pobreza.”, afirma Francisco Filho, idealizador do Perifala.

VISIBILIDADE E PERSPECTIVAS

O projeto é o único da região que trabalha com essa linha de ação direta na comunidade, e fez dois anos, em maio deste ano, e já teve visibilidade em vários meios de comunicação na UFPI.

“Já realizamos várias entrevistas, participamos de um documentário, já saímos em um jornal de muita circulação em Teresina, já falamos com a Rádio Universitária e isso é mais do que a gente imaginava. A comunidade acha interessante pessoas da periferia produzirem conhecimento sobre elas mesmas e intervindo politicamente na sua própria realidade.”, conta Francisco.

INÉRCIA

Os jovens envolvidos no Perifala têm a admiração da comunidade, mas conversando mais sobre a reação das pessoas em relação ao projeto ainda é impedida por conta dos deveres exigidos de um jovem de periferia, que resiste e luta contra as dificuldades, como afirma o professor de História e colaborador do projeto Wanderson Dantas:

“As pessoas se interessam pelas discussões porque estão presentes na vida delas. Por exemplo, eu sou alguém oriundo da comunidade Palitolândia há mais ou menos 20 anos. Vejo, sinto, aspiro problemas naquele lugar como qualquer outro periférico. O único detalhe é que estou na universidade. Discussões políticas estão no cerne da nossa formação. Agora, uma pessoa que não possui a mesma experiência e oportunidades que eu tenho para compreender o mundo, pode até perceber, ou não.”

“Um grupo de jovens, todes da Vila Palitolandia, Zona Sul de Teresina, se reúnem para discutir saneamento básico e educação e ambiental. Mais do que isso, se organizam para recolher plástico e limpar ruas da comunidade. Tudo isso com a intenção de provocar a consciência da comunidade.” / Fonte: Reprodução

O grupo acredita na importância de desnaturalizar situações que afetam diretamente a vida dos periféricos. Eles entendem que muitas coisas que acontecem diariamente são aceitas como normais, quando na verdade deveriam ser questionadas e mudadas.

Por exemplo, eles se preocupam com a situação dos ônibus na região. Mesmo sendo velhos, sujos e frequentemente quebrando, as pessoas simplesmente aceitam isso como parte da rotina. No entanto, para quem depende desses ônibus, é problemático naturalizar essa condição. Essas questões vão além do transporte público. Mortes de negros e pobres, feminicídios, violência contra a comunidade LGBTQI+ são outros exemplos de coisas que são tratadas como se fossem inevitáveis.

Wanderson Dantas afirma que eles querem mostrar que por trás do que parece ser apenas a rotina, há uma série de problemas que precisam ser enfrentados. Eles acreditam que os periféricos precisam se unir para lutar por condições de vida melhores e mais dignas. Caso contrário, continuarão suportando o peso das injustiças que afetam não só Teresina, mas todo o Brasil.

Fonte: Reprodução

OUTRO LADO DO MURO

Dentre os objetivos do projeto, Francisco fala em entrevista que enxergou uma necessidade de abranger alguns discursos e colocá-los em outro aspecto mostrando a realidade social vivida nas periferias.

“Sempre achei as discussões abstratas demais e mesmo as que são legais não têm muito valor social já que as pessoas de fora da universidade não se apoderam desses pensamentos. Mesmo a maior parte das atividades políticas do movimento estudantil não me representava, eram discussões de uma camada média da sociedade que não entendia meus problemas, usavam termos em inglês, eram sensíveis demais, tudo parecia uma festa, como se os problemas reais já estivessem sido superados para o lado de lá do muro da universidade e mais ainda para o lado de lá da cidade. E mesmo os que eram negros e da periferia começavam a esquecer de seus problemas reais. Então decidi formar um grupo de estudos para universitários que são da região da Vila Irmã Dulce e discutir por nós mesmos os nossos problemas”.

Que todos têm direito à educação é um fato, mas a afirmação de que todos recebem esse direito é errônea O ensino capitalizado causa uma necessidade em indivíduos sensibilizados em olhar para a periferia e enxergar a dificuldade do acesso ao conhecimento e informação. O Perifala é um exemplo de como a educação popular, orgânica e autônoma, pode transformar a realidade das pessoas. Educar é munir a sociedade; é coletivizar o conhecimento adquirido e eternizá-lo no real. Para pensar em Educação Popular, é necessário refletir primeiramente sobre educação. O contexto do cotidiano e a cultura que circunda o aluno deveriam ser o ponto nevrálgico do ensino, e não, como na maioria das vezes, apenas domínios restritos que são determinados e discutidos socialmente.

Reunião do Perifala / Fonte: Reprodução



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