Entenda como o Brasil pode ser afetado diante desse cenário e quais são as perspectivas sobre o pós guerra
Por: Gabriela Pereira
Com os recentes conflitos entre Rússia e Ucrânia, nasceu a incerteza sobre os BRICS e o futuro do grupo. O Brasil se manteve neutro para preservar as relações diplomáticas vigentes, mas o que ainda não se sabe é de que forma as sanções enfrentadas pela Rússia vindas de outras potências econômicas pertencentes ao comitê internacional da ONU podem afetar o andamento do bloco.
- CONHEÇA OS BRICS
Em 2001, uma análise realizada pela companhia Goldman Sachs destaca a relação entre países emergentes que poderiam mudar o rumo das políticas econômicas da época. De acordo com a análise, esses países se ajudariam mutuamente e contribuiriam com o enorme potencial econômico que eles detinham.
Inicialmente, a aliança foi firmada por Brasil, Rússia, Índia e China. Após mais alguns estudos, a África do Sul foi inserida no grupo em 2003. Existia uma grande especulação e projeção em relação aos níveis de desenvolvimento e economia sobre esses países.
No entanto, após duas décadas, estudiosos no assunto afirmam que o bloco não atingiu as expectativas, com exceção da China, que atualmente é a maior potência econômica mundial. Os demais países continuam com baixos índices de desenvolvimento econômico, apesar de terem apresentado melhora desde a criação da aliança.
A economista e professora da Universidade Federal do Piauí, Geysa Elane Rodrigues, afirma que: “O BRICS corresponde a cerca de 20% do PIB mundial. O grande objetivo – dos BRICS – é funcionar como uma alternativa ao Fundo Monetário Internacional (FMI), fornecer desenvolvimento e alternativa para outros países subdesenvolvidos e nesse sentido, ele cumpre com as expectativas”.

- INSTABILIDADE ENTRE OS PAÍSES BRICS
Apesar de pertencerem ao mesmo bloco de desenvolvimento, nem sempre os países BRICS mantêm a estabilidade nas relações diplomáticas. Em 2020, China e Índia tiveram um conflito na fronteira do himalaia, região estratégica para ambas as potências e que é motivo de disputa territorial entre elas. O confronto deixou soldados mortos e feridos.
Durante a pandemia do novo coronavírus, quando o Brasil enfrentava o recorde de mortes diárias, a relação entre Brasil e China ficou abalada após declarações polêmicas de membros do governo Bolsonaro com relação à crise mundial que a humanidade vive. Eduardo Bolsonaro (PSL) fez comparações entre a pandemia e o acidente nuclear de Chernobyl, deixando implícito que a responsabilidade pela crise humanitária era da China.
- CONFLITOS ENTRE RÚSSIA E UCRÂNIA
Agora, o mundo enfrenta uma nova situação de crise, os recentes conflitos no leste europeu colocam todas as diplomacias mundiais em estado de alerta. O doutor em direito pela USP e ex- docente do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), Guilherme Antonio de Almeida, afirma que a guerra entre Rússia e Ucrânia trará consequências em todo o mundo.
“Esse é um conflito diferente dos que nós temos no mundo atualmente e dos que nós tivemos desde o final da guerra fria. Ou seja, esse é um conflito que é mais importante que os demais pelas consequências que pode trazer para o mundo, não somente para os BRICS. A invasão sofrida pela Ucrânia é completamente ilegítima e ilegal com relação ao direito internacional e as estruturas institucionais que foram estabelecidas desde o final da segunda guerra mundial. E essa parece ser uma guerra que vai muito além do desejo da Rússia de proteger as suas fronteiras da OTAN, me parece, na verdade que a Rússia quer reorganizar o mundo de uma forma que ela acha que deve ser, de uma forma muito semelhante às estruturas pré primeira guerra mundial, ou seja, não é apenas uma questão de defesa. Se a gente tiver um desenrolar desse conflito, em que exista uma Rússia vitoriosa, a gente vai ter jogado no lixo todo esse arcabouço institucional, como a própria Organização das Nações Unidas (ONU), que foi desenvolvido e sob o qual também foi desenvolvido o próprio BRICS”, explica.

- ECONOMIA
Apesar das incertezas no que se refere a como os países integrantes serão afetados ou não pelos conflitos recentes, já é possível perceber que as sanções sofridas pela Rússia também partirão dos países associados ao bloco.
O banco dos BRICS, New Development Bank (NDB), suspendeu os empréstimos e financiamentos à Rússia. A decisão foi tomada com base no decorrer dos conflitos que vêm sendo agravados. O anúncio foi feito em comunicado oficial mas não cita a guerra como principal motivo, apenas afirma ser um período de “incertezas e restrições”.
Quanto à influência que esse cenário exerce diretamente no Brasil, ainda não é possível saber quais serão as consequências que o país poderá sofrer. “Se afeta diretamente o Brasil, é cedo para dizer. É mais fácil dizer que vai afetar o mundo todo, especialmente os países em desenvolvimento. O impacto financeiro será muito grande para todos os países que fazem comércio com a Rússia, inclusive o Brasil”, afirma Geysa.
Sobre as relações comerciais entre os países, a economista aponta a dependência do Brasil na importação de fertilizantes. Segundo Geysa, apesar da Rússia ser um importante exportador de carne bovina brasileira, não significa que o Brasil faz esse tipo de comércio exclusivamente com os Russos.
“O Brasil é o 2 maior fornecedor de carne bovina para a Rússia, a guerra complica as transações comerciais. Mas, comparativamente, a Rússia não é o nosso principal parceiro comercial. No entanto, o Brasil importa mais de 80% dos fertilizantes que utiliza e a Rússia corresponde a quase ¼ dessas importações e isso pode gerar um problema com relação ao agronegócio, o preço dos alimentos sobe e a população brasileira sofre”, aponta.
No que diz respeito aos BRICS, o professor Guilherme relata: “Podemos ter um colapso total da economia Russa, a Rússia pode sofrer um decréscimo de 8% a 10% e a economia pode, em pouco tempo, quebrar. Ou seja, a Rússia pode parar de cumprir os contratos que ela tem, regredir economicamente de uma forma brutal e voltar para uma situação de quase de idade média: todas as empresas modernas saindo de lá, sanções sendo aplicadas, saindo do sistema bancário, saindo do SWIFT, a exportação de óleo e petróleo sendo proibida pelos Estados Unidos. Então, se a gente tiver esse resultado para a economia da Rússia e a economia colapsar, a gente vai ter uma dificuldade forte para os BRICS, da forma que foi pensado, continuar a caminhar e ele terá que sofrer ajustes”.
- RESOLUÇÕES RECENTES
Pela primeira vez desde o começo da Guerra, o Brasil se absteve em uma votação de uma resolução analisada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) contra a Rússia. A resolução tinha como objetivo denunciar a destruição de alguns prédios educacionais, como o da Universidade Nacional Karazin em Kharkiv.
Nenhum país integrante do BRICS votou no projeto, que foi aprovado com 33 votos de apoio e 24 abstenções. O texto em questão pede “o fim imediato da ofensiva contra a Ucrânia para garantir a proteção contra novos danos e prejuízos ao patrimônio cultural ucraniano natural, construído e móvel em todas as suas formas”.
O vice-ministro das Relações Internacionais da Rússia, Sergey Ryabkov, afirmou em entrevista concedida à emissora local RT, que o governo russo enxerga os BRICS como o “pilar” de uma nova ordem mundial.
“Acredito que os países do BRICS, que representam quase metade da população mundial e grande parte do PIB global, servirão como pilar de uma ordem mundial emergente”, afirmou Sergey. Ainda pode ser cedo para analisar com clareza e precisão a fala que representa o pensamento do governo russo.
Sobre essa situação, Guilherme Antonio afirma: “Não é um conflito sobre a Ucrânia, não me parece que o Putin vá parar na Ucrânia, em cada momento que ele fala, ele dá indícios de suas reais intenções. Parece que ele quer destruir toda essa institucionalização – construída pelos países no pós guerra – para construir uma espécie de zonas imperiais no planeta, tendo a Rússia dominando aquilo que se chama de Eurásia, e tendo sua zona de influência indo muito além do que foi a URSS”, aponta o doutor.