Repórter: Jéssica Sales
Quem nunca sentiu uma dorzinha e tomou o primeiro remédio que dispunha, sem ao menos certificar sua funcionalidade e validade? É bem provável que muitos afirmem o consumo de medicamentos e a prática de se automedicar indiscriminadamente, sem levar em conta as consequências destas para o organismo e para a vida.
A problemática da automedicação começa na farmácia com a venda de analgésicos/antitérmicos, muitas vezes, sem prescrição médica e em quantidades significativas, permitindo as pessoas de consumi-los quando convém, às vezes, em doses elevadas. “É importante frisar que o consumidor deve ter consciência de que a automedicação é um ato falho, no qual, ele próprio assume todo e qualquer risco à saúde”, explica a médica Oncologista do Hospital Universitário do Piauí- HU, Vanessa Castelo Branco.
Teresina é conhecida nacionalmente pelo “turismo de saúde”, já que, muitas pessoas de municípios piauienses e de outros estados vêm à capital em busca de tratamentos médicos. Em decorrência disso, aumentou consideravelmente o número de farmácias. Em 2017, a média é que, a cada seis dias, uma farmácia nova abria as portas, facilitando o acesso da população a medicamentos.
Dados da Junta Comercial do Estado do Piauí (Jucepi) mostram o cenário que segue a todo vapor para o ramo de medicamentos: em 2015, foram abertas 39 farmácias na Capital; em 2016, 35 novos empreendimentos; e o ano de 2017 apresentou um recorde dos três últimos anos, com a abertura de 60 farmácias.

Apesar dessa crescente e da diversidade de redes farmacêuticas, os teresinenses reclamam da alta carga tributária dos medicamentos, item que eleva os custos do orçamento familiar e condiciona a automedicação. Segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação, a carga tributária é alta porque o país não fabrica remédios e para importar, precisa pagar royalties, o que encarece o medicamento.
Segundo o Conselho Regional de Farmácia do Piauí- CRF-PI, o argumento de que a ampliação das vendas traz mais acesso medicamentoso às pessoas não é pertinente, já que existem mais de 2.340 farmácias e drogarias no Piauí, não havendo assim, dificuldade de encontrar um estabelecimento farmacêutico, mesmo nas comunidades mais distantes.
Ainda de acordo com o conselho, “o brasileiro tem a cultura de automedicação e com a banalização da venda desses produtos, a probabilidade é que as pessoas passem a consumir mais medicamentos sem orientação. A liberação vai gerar uma venda indiscriminada de remédios, que deve aumentar os casos de intoxicações, reações alérgicas e, não raro, de risco de morte”, enfatiza.

Na contramão das ações criadas no país para impedir o consumo desenfreado de medicamentos, a aposentada Teresinha dos Santos é adepta da prática da automedicação desde a juventude, quando ainda morava no interior de São Pedro do Piauí e o acesso à saúde só acontecia em situações emergenciais. “No meu povoado a gente consumia aspirina e ASS (Ácido Acetilsalicilico), no comércio do Seu Jacobéu|, remédios que tratavam as enfermidades mais básicas. Naquele tempo, adoecer e vir a Teresina, só acontecia em duas situações: realizar alguma intervenção cirúrgica ou parir o menino”, lembra.

Apesar de morar na capital há 15 anos, dona Teresinha, mantém o hábito da automedicação e argumenta que ainda o faz, porque não tem plano de saúde e chega a passar dois meses na fila de espera do SUS para ser atendida. “Quando sinto dor de cabeça, ou de barriga, tomo logo uma aguardente alemã e se é algo mais grave, tento comprar um remédio sem receita na farmácia. Quando não, o jeito é esperar a consulta e pedir amostra grátis ao médico”, lamenta ao Luneta.
Em contrapartida, a cozinheira Desterro Pessoa só se medica sob prescrição médica, pois tem a saúde fragilizada e teme sofrer algum tipo de reação medicamentosa. “Tenho plano de saúde e quase toda semana marco uma consulta com um especialista diferente, não confio em um só diagnóstico”.

A cozinheira completa que ao sentir alguma dor procura logo o serviço de urgência. “Já soube de casos que os famosos morreram pela ingestão indevida de medicamentos, por isso sigo, com ressalvas, o que os médicos prescrevem, a fim de me distanciar de mais uma estatística” Dona Desterro só teme uma coisa: tornar-se hipocondríaca, ou seja, uma preocupação excessiva diante de sintomas pequenos.
Especialista alerta para cautela
“A solução rápida para tratar de doenças é uma prática que pode camuflar os sintomas da enfermidade, em vez de proporcionar uma cura efetiva. Isso porque se você não é um profissional da saúde credenciado não conhece as especificidades de cada medicamento e as necessidades do organismo quando está com alguma dor ou doença”, alerta Vanessa Castelo Branco.
A oncologista atesta que algumas medicações sintomáticas podem ser utilizadas numa situação inesperada. Em casos de dor de cabeça, febre e/ou dor de barriga, deve-se tomar algum analgésico/antitérmico já conhecido e observar a evolução do quadro. Se os sintomas persistirem, não hesitar em procurar atendimento médico para uma avaliação mais eficaz.
Farmácias vendem medicamentos sem receita
Para esta matéria, percorreu-se duas farmácias registradas na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) – a primeira faz parte de uma famosa rede nacional, situada no centro da cidade e a outra de bairro, na Zona Sul. (os nomes dos estabelecimentos e dos personagens não serão divulgados).
O intuito a priori era comprar analgésicos como a Dipirona, Sonridor e Bromidato de Citalopram, este último indicado sob prescrição médica. Na famosa rede de farmácias, os analgésicos foram vendidos livremente, enquanto o de uso controlado foi requerido a receita. A farmacêutica afirmou receber diariamente pedidos de consumidores para burlar a lei e vender os medicamentos sem a receita. Questionada do por que da venda dos analgésicos ser livre, ela argumentou que: “eles não são tão nocivos ao organismo”.
Desde 2010, a Anvisa determinou que produtos livres de receita só podem ser comercializados nos balcões das farmácias e a venda de antibióticos, somente com prescrição médica.
Já na farmácia de bairro, localizada na Zona Sul, a venda dos dois medicamentos foi realizada com sucesso. A atendente com formação em técnica de balcão pediu para não espalhar o seu ato, pois se a comunidade souber, pode ligar para o órgão responsável e vir a fechar o estabelecimento.
O descaso dos órgãos reguladores, além de estimular o uso irracional e provocar o aumento dos casos de doenças provocadas pelos efeitos colaterais da automedicação, representa a vulgarização de um serviço tão importante para toda população, que é a presença de um farmacêutico em locais onde se comercializa drogas medicamentosas.
Até o fechamento desta matéria tentamos o contato para com a Vigilância Sanitária de Teresina, contudo, não obtivemos retorno a tempo.
A produção jornalística que você acaba de ler/ouvir faz parte do trabalho desenvolvido pelos estudantes da disciplina de Webjornalismo – 2018.1, administrada pela professora Dra. Juliana Teixeira.